"Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.
Quando os homens apareceram,
eu não estava presente.
Eu não estava presente,
quando a terrra se desprendeu do sol,
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E, antes de haver o céu,
EU NÃO ESTAVA PRESENTE
Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.
Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde todos somos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta qua vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio, e apareceu um cavalo selvagem
E um anel no dedo pode desabar da lua um temporal.
Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.
Noites e noites, estudei devotamente
nosso mitos, e sua geometria.
Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, voô
- sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me
que acontecimentos serão produzidos,
em mim e em ti?
Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos
quando já foram sofridos.
Tão pouco somos, - e tantos causamos,
com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.
Entre o desejo de itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga
mais que o itinerário e o desejo.
Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmanchan-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, que parece que estão paradas...
Confundiram-se.
E até se julgar que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência... Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.
Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?
Eu não estava presente, quando formaram
a voz tão frágil dos pássaros.
Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?"