CORPOREIDADE É !!!!!!
O texto, agora um pouco modificado, foi redigido em 19 de setembro de
2001, como base de reflexão sobre o tema, em uma aula no Mestrado em
Educação Física da FACEF. A decisão de incluir nas Croniquetas deu-se no momento em que tomei a decisão de publicá-las.
Hoje fui instado, academicamente, a falar sobre corporeidade. Vejam a
contradição intrínseca a este fato: falar e pensar sobre corporeidade e não ser corporeidade. Se me fosse pedido para ser corporeidade, quase bastaria estar aqui na relação com vocês, neste tempo cronológico e neste espaço geográfico. Mas, é evidente que o tempo cronológico
apenas não expõe a corporeidade, pois ela também é kairós, ou seja, tempo existencializado na cultura e na história.
Ao expressar o pensamento sobre o tema, poderia simplesmente dizer o que está grafado no título deste texto: Corporeidade é! Isto basta...., mas, tenho a certeza que receberia muitas críticas acadêmicas por pensamento tão sintético. Assim, dispus-me a realizar, em alguns momentos neste escrito, uma variação significativa de um texto já produzido (onde utilizei o poema Instantes de Borges ou outro), tal qual um intérprete de jazz: apresentar variações sobre um mesmo tema, esperando que isto seja feito com qualidade e atinja a sensibilidade dos leitores/ouvintes.
Corporeidade é voltar a viver novamente a vida, na perspectiva de um ser unitário e não dual, num mundo de valores existenciais e não apenas racionais, ou quando muito, simbólicos.Corporeidade é voltar os sentidos para sentir a vida em: olhar o belo e respeitar o não tão belo; cheirar o odor agradável e batalhar para não haver podridão; escutar palavras de incentivo, carinho, de odes ao encontro, e ao mesmo tempo buscar silenciar, ou pelo menos não gritar, nos momentos de exacerbação da racionalidade e do confronto; tocar tudo com o cuidado e a maneira de como gostaria de ser tocado ;saborear temperos bem preparados,discernindo seus componentes sem a preocupação de isolá-los, remetendo essa experiência a outros no sentido de tornar a vida mais saborosa e daí transformar sabor em saber.
Corporeidade é buscar transcendência, em todas as formas e possibilidades, quer individualmente quanto coletivamente. Ser mais, é sempre viver a corporeidade, é sempre ir ao encontro do outro, do mundo e de si mesmo.
Corporeidade é existencialidade na busca de compromissos com a cidadania, com a liberdade de pensar e agir, consciente dos limites desse pensar e desse agir.
Corporeidade é, novamente variando sobre o poema mencionado: andar mais descalço para o retorno ao respeito à natureza ; nadar mais rios, procurando batalhar por águas límpidas e cristalinas; apreciar mais entardeceres, onde o horizonte não seja um buraco de ozônio ou esteja camuflado por nuvens de poluição; viajar mais leve,sem levar, sempre, um guarda chuvas, uma bolsa de água quente, uma galocha e um paraquedas; viver o dia a dia com menos medos imaginários.
Corporeidade é incorporar signos, símbolos, prazeres, necessidades, através de atos ousados ou através de recuos necessários sem achar que um nega o outro. É cativar e ser cativado por outros, pelas coisas, pelo mundo, numa relação dialógica.
Corporeidade é tema de discussões científicas, realizadas com radicalidade, com rigor e de forma contextualizada, mas sem separar o corpo em partes para depois juntar; sem manipular pessoas para depois desculpar; sem criar prosélitos para depois deixá-los a ver navios; sem transformar teorias em dogmas, pois enquanto aquelas são abertas e passíveis de reformulações, estes são sinônimos de regras imutáveis a serem seguidas, justificando tudo, às vezes até a ausência da corporeidade.
Corporeidade é sinal de presentidade no mundo. É o sopro que virou verbo e encarnou-se. É a presença concreta da vida,fazendo história e cultura e ao mesmo tempo sendo modificada por essa história e essa cultura.
Corporeidade sou eu. Corporeidade é você. Corporeidade somos nós, seres humanos carentes, por isso mesmo dotados de movimento para a superação de nossas carências. Corporeidade somos nós na íntima relação com o mundo, pois um seu o outro são inconcebíveis.
Para os que estão pensando que corporeidade é Bom-Bril, ou seja, tem 1001 utilidades, lamento dizer que estão errados, pois corporeidade não é algo que me aproprio com um fim utilitário. Quando penso
na idéia de apropriação, já destinei o corpo a uma posição de submissão ao espírito ou à mente. Aí, já diziam pensadores como Marx e Nietzsche: a soma das partes não dá o todo.
Corporeidade não é tema que vai salvar o mundo. No entanto,corporeidade é existencialidade viva, e a vida preserva e se nutre da relação com o meio ambiente.
Corporeidade é o ser vivente exercitando sua motricidade. Corporeidade não é um conceito, é um estilo de vida na busca da superação.
Enfim, CORPOREIDADE É! -
Croniqueta 27 – Produzida na Atual Forma em 27-01-2003
Wagner Wey Moreira